quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Raízes do Brasil_ Um retrato da Colonização e suas Heranças



Os fundamentos da formação histórica do brasileiro se encontram em suas diversas acepções na obra de SBH, Raízes do Brasil (1936). Esse processo, cujas conseqüências evidenciam-se na tentativa de implantar uma cultura européia, no Brasil colônia, foi mais devastador do que se imagina.
Partindo da idéia de cultura, que etimologicamente seria um conceito derivado de natureza, (Eagleton, 1943) vê-se a razão do título da obra “Raízes do Brasil” de onde brotam as bases de nossa cultura instintiva na negação da cultura encontrada pelos colonizadores. Historicamente associada a uma atividade, cultura de colere (latim), denotava qualquer coisa, desde cultivar e habitar a adorar e proteger. Sem este significado “habitar” evolui do latim colonus para o contemporâneo “colonialismo” de modo que o início de uma cultura se dá no momento da habitação de uma terra.
O Brasil já habitado, no séc. XVI, passou por um processo de “desculturação” com a imposição de uma cultura européia, totalmente avessa a tradição indígena já instituída milenarmente.
Na tentativa de ser fiel a dicotomia instituída em toda obra de SBH, será estabelecido, inicialmente, um diálogo entre Raízes do Brasil e Desmundo, filme de Alain Fresnot (2003), que também traz imagens fascinantes e fiéis do Brasil-Colônia em suas “raízes”. Esse diálogo será abandonado tão logo se avance ao séc. XVII e a realidade social do país trazida por SBH. O filme é ambientado no Brasil – Colônia (1570) e a essa época se limita à obra de Alain Fresnot, impedindo que avance junto a análise do livro.
As características ibéricas da metrópole herdadas e plantadas no Brasil - Colônia, que explicam fenômenos comportamentais do brasileiro atualmente, como a forte ausência do principio de hierarquia a exaltação do prestígio pessoal com relação ao privilégio e a repulsa pelo trabalho regular.
A colonização do Brasil se deu pelo homem aventureiro, espanhóis, portugueses e ingleses, sentido este da palavra ‘aventureiro’, aquele que busca novas experiências, acomoda-se no provisório e prefere descobrir a consolidar.
A adaptabilidade do português em meio ao desleixo e certo abandono há presença desse espírito aventureiro no filme Desmundo. A escravidão e o trabalho forçado dos índios são demonstradores da oposição do Português ao trabalho físico. Há ausência de valores e princípios, mesmo religiosos, presentes no filme e aqui tratado por SBH como tradicionalismo cultural. há sede de exploração da terra sem grandes esforços. Há ausência de técnica de lavoura sendo um sinal de atraso frente à busca pela riqueza como bem o cita SBH “O que o português vinha buscar, era sem dúvida, a riqueza, mas riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho” (in pag. 49).
Foi justamente aqui que acharam, ao desbravar o nordeste brasileiro, terra de boa qualidade e propícia para a lavoura da cana-de-açúcar, sem esforços, o problema do trabalho resolveu-se com a escravidão do negro após frustrada tentativa de domesticação do indígena.
SBH refere-se também a uma possibilidade de colonização holandesa, no Brasil, que em oposição aos portugueses tinham espírito de empreendimento metódico e coordenado e capacidade de trabalho e coesão social. Mas dentre estes foram recrutados justamente a escória holandesa para ocupar o Brasil e não possuíam intenção de criar raízes na terra, somente fugiam de perseguições em sua terra. Sendo frustrada essa instituição da “alta Europa”.
Os portugueses também possuíam uma ausência de qualquer orgulho de raça, como se vê em Desmundo, eles iniciam uma miscigenação com índios e negros, que ironicamente é combatido pela Corte Portuguesa com o envio de órfãs para desposarem os colonos. Com o objetivo de “branquear” a raça que aqui surgia, fica implícito, no filme, que essa mestiçagem era um fenômeno esporádico que só ocorria na colônia, mas segundo SBH, esse fenômeno era presente em Portugal a ponto de haverem relatos da época sobre essa intromissão de mulatos e mamelucos em grande quantidade na Metrópole.
Todos esses declínios se fixaram ao longe de nossa formação como sociedade. Tais marcas estão presentes no processo de transição do Brasil rural a urbano. Com o declínio da escravidão tenta-se moldar o país a uma democracia burguesa, que leva a economia brasileira, tipicamente escravocrata, a sua primeira crise em 1864. Em um país patriarcalista por tradição, com uma civilização de raízes rurais, as formas de vida copiadas de nações socialmente mais avançadas não encontraram sucesso.
Esse caráter patriarcalista, em que se formou o brasileiro, que foi adquirido na estrutura familiar, com berços rurais, foi tão poderoso que ao familiar era atribuído autoridade, respeitabilidade, bem como obediência e coesão entre os homens. Essa herança predominante, na vida social, e que deu origem ao “homem cordial”, deixou marcas significativas em nossa sociedade.
Esse momento de transição para o surgimento do Estado, faz renascer no brasileiro a errônea idéia de que esse modelo de relações do núcleo familiar serviria de exemplo para as relações externas. Resquícios dessa contribuição de fundo emotivo se vêem na “cordialidade do brasileiro” tão aclamada pelo estrangeiro. Em Raízes do Brasil é esclarecido que essa cordialidade aparente está longe de significar civilidade sendo simplesmente uma “máscara” contra o Rito Social. Como bem o cita Antônio Candido (1967) “O homem cordial não pressupõe bondade, mas somente o predomínio dos comportamentos de aparência afetiva, inclusive suas manifestações externas, não necessariamente sinceras nem profundas, que se opõem aos ritualismos da polidez”.
E assim se configura a nossa sociedade brasileira, fundada em tais valores aparentes, e que permeará desde os nossos saberes intelectuais até as nossas relações de trabalho. O Brasil se configurará de profissionais liberais que, permitirão manifestos de independência individual, e de saberes de fachada. Dando origem ao nosso exibicionismo, improvisação e a falta de aplicação seguida, esta com a voga do positivismo no Brasil.
Nesse ponto, SBH torna sua obra de uma atualidade impressionante, já em 1936, ele aponta a “nossa revolução” iniciada com o processo de dissolução da velha sociedade agrária, como uma forma de liquidar o passado, adotar o ritmo urbano e propiciar a emergência das camadas oprimidas da população, únicas com a capacidade para revitalizar a sociedade e dar um novo sentido à sociedade brasileira.
Esse Livro é um dos estudos mais relevantes com uma das melhores abordagens da história social do Brasil-colônia até os dias de hoje. Revela-nos às nossas origens e as heranças presentes em nossa sociedade. È assim uma visão ampliada da formação dos nossos problemas atuais.

Erla Delane

Um comentário:

Dioney disse...

Parabéns pela resenha crítica, sobretudo com o uso do filme Desmundo em sua análise.
Prof. Dioney